Quase no fim de um ano fortemente marcado pela pandemia da COVID-19, 2020 revelou a nossa vulnerabilidade a um fator que não controlamos, um vírus desconhecido capaz de alterar radicalmente o nosso dia-a-dia.
Numa primeira fase, o medo dominou o Mundo. Os países confinaram, as pessoas ficaram privadas das suas liberdades em nome da segurança por forma a controlar o contágio e para garantir o funcionamento dos serviços de saúde. Foi uma paragem das economias abrupta e, durante este período, muitas empresas fecharam e outras continuam a lutar pela sobrevivência e pela manutenção dos postos de trabalho.
Mas se o cenário atual não é fácil, num tempo em que muitos punham em causa o projeto Europeu, no verão, os líderes europeus conseguiram chegar a um entendimento que desenhou uma resposta europeia assinalável. O Plano de Recuperação e o Orçamento Europeu 2021-2027 são disso exemplo. Os objetivos de longo-prazo – a digitalização e o combate às alterações climáticas - são para a UE pilares para as políticas públicas que, a nível nacional, devem guiar a recuperação económica. Portugal não pode ficar para trás e os portugueses não tolerarão a repetição dos erros do passado.
O ano de 2020 fica, infelizmente, marcado por uma crise pandémica a nível mundial e os seus reflexos económicos e sociais. A nível Europeu o impacto da pandemia fez-se sentir numa 1ª vaga entre março e junho, tendo os países imposto um confinamento geral nesse período (aquilo que o FMI chamou “the great lockdown”). Entretanto, o início de outubro trouxe uma 2ª vaga, algo expectável na história das pandemias.
A resposta Europeia foi, no plano dos princípios e da atuação política, aquilo que se esperava da União Europeia. O “next generation”, com 750 mil milhões de euros, representa cerca de 4% do PIB, a ser investido nos próximos 6 anos. É um pacote muito significativo que soma à política monetária do BCE.
Mas, como sempre, “o Diabo está nos detalhes”. Há, pelo menos, 4 aspetos que me preocupam na eficiência e eficácia da resposta Europeia:
O primeiro é o tempo que vai demorar até o processo estar concluído. Entre aprovações parlamentares e governativas temo que abril de 2021 seja uma data otimista para a conclusão e aprovação dos 27 planos nacionais. E o tempo joga contra as empresas nos setores mais vulneráveis a esta crise, sobretudo nos países com economias mais frágeis e sobretudo para as PME´s.
O segundo tem a ver com a estrutura da resposta. Ninguém duvida que a descarbonização e a digitalização são fundamentais para modernizar a economia Europeia. Também a componente de resiliência é fundamental, dando maior capacidade de resposta aos serviços de saúde. Mas falta, a meu ver, uma resposta direcionada especificamente para a recuperação dos setores mais atingidos pela crise. Falta um pacote de apoio às empresas desses setores e que podem não sobreviver em 2020 ou 2021.
O terceiro é que os fundos têm de ser acompanhados com medidas e reformas estruturais que promovam a competitividade das economias Europeias. De outra forma, estaremos apenas a lançar dinheiro nos problemas. E quando se atira dinheiro sobre os problemas, uma das coisas desaparece, só que raramente é o problema.
O quarto tem a ver com a capacidade em alguns países de utilização destas verbas em simultâneo com os quadros comunitários (o que está ainda em vigor e o próximo). No total, entre 2022 e 2026 os países terão 3%/4% PIB por ano para executar. Em países com governance mais frágil isso pode implicar não utilizar toda a “bazuca” (que tem de ser comprometida em 3 anos) ou ter projetos de baixo valor e um forte desperdício e potencial corrupção.
A Europa deu passos muito importantes na resposta a esta crise. Mas o caminho ainda é longo, estreito e difícil.
As negociações para fechar um acordo para o chamado “Fundo de Recuperação” e para o Quadro Financeiro Plurianual acabam de se saldar por uma vitória histórica do Parlamento Europeu e, em especial, do PPE e do PSD. Demos um passo enorme na defesa dos valores do Estado de Direito. Doravante qualquer Estado-Membro que viole o Estado de Direito verá o acesso a fundos comunitários congelado. Para tal, basta que, sob proposta da Comissão, o Conselho aprove por maioria qualificada essa suspensão. Uma conquista prioritária para o PSD e o PPE, repetidamente desprezada por António Costa.
De há muito que defendemos a criação de um mecanismo permanente, pilotado pela Comissão Europeia, que avalie de forma regular e uniforme todos os Estados-Membros. Uma espécie de semestre europeu para o “rule of Law”! As comissões parlamentares de que faço parte – LIBE e AFCO – têm trabalhado intensamente na matéria. E a Comissão Europeia publicou mesmo o primeiro relatório de avaliação para todos os 27 países. Enquanto esse mecanismo não for criado, temos já esta grande conquista ligada ao Fundo de Recuperação e às perspectivas financeiras 2021-2027.
Sobre o respeito do Estado de Direito em países como a Polónia, a Hungria ou Malta muitos falam e fazem declarações tonitruantes. Mas foram o PSD e PPE que estiveram na dianteira desta exigência de criar uma condicionalidade de “rule of law” para os fundos a aplicar pelos governos.
A União Europeia enfrenta um desafio sem precedentes com a emergência sanitária da Covid-19, com a crise económica que resulta das medidas de restrição e com o significativo e inevitável impacto social destas crises. A perspetiva de uma recessão de 7,4% do PIB (7,8% na Zona Euro e 9,3% em Portugal), anunciada pelas previsões económicas de outono da Comissão, é um alerta para a necessidade de tomar decisões imediatamente e para estarmos a postos para uma ainda maior ambição na dimensão dos esforços de recuperação.
No Parlamento Europeu estamos a tomar decisões fundamentais para construir o Fundo de Recuperação para a economia europeia. É um trabalho difícil e exigente, face ao curto prazo que temos para aprovar, rapidamente, o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e mobilizar quase 700 mil milhões de euros para apoiar as empresas europeias, apoiar o investimento, salvar empregos e contribuir para o cumprimento dos objetivos em matéria de transição ambiental e digital. A construção do programa InvestEU ou do Fundo para uma Transição Justa são outros vetores em que estamos concentrados. Estes exemplos são apenas três vértices do Fundo de Recuperação de 750 mil milhões de euros e estamos a postos para ir além daquilo com que nos estamos a comprometer.
Noutra dimensão, estamos a olhar para a fiscalidade como um dos pilares do apoio a cidadãos, famílias e empresas. Por isso criámos uma comissão especializada em matéria fiscal, em que sou a Coordenadora do Grupo PPE, para discutir o futuro da integração europeia nesta área, facilitar a vida aos europeus e combater, de forma mais eficaz, a fraude e a evasão fiscal.
Cidadãos, famílias e empresas enfrentam um tempo difícil e cumpre às instituições europeias estar à altura. Não só na rapidez que uma situação de emergência exige, mas sobretudo na ambição que um tempo de mudança determina.
A União Europeia deu a Portugal o dinheiro necessário para vencer a pandemia Covid-19 e, em simultâneo, reforçar a competitividade e a produtividade, melhorar o serviço nacional de saúde, contribuir para a convergência e a coesão territorial. Para tal, basta um governo minimamente competente. É essencial que os enormes recursos financeiros cheguem às empresas e a todo o território. Têm de acrescentar valor, ser adicionais. Não podem servir para substituir o orçamento do Estado.
No Parlamento Europeu, trabalhamos com sucesso para Portugal receber este enorme envelope financeiro. Espera-se que o governo faça a sua parte, defina metas e objetivos, desburocratize, modernize e reforce os programas operacionais regionais. Seria incompreensível e inaceitável recebermos muito mais dinheiro e as regiões receberem menos.
Portugal tem de ser programador dos fundos, em vez de mero utilizador. Para além das subvenções, temos de nos candidatar aos programas geridos pela Comissão Europeia. O Horizonte Europa e o InvestEU são apenas dois exemplos. Para além disso, exige-se que o Banco de Fomento crie instrumentos financeiros para favorecer o investimento e a solvabilidade das empresas.
Com tantos recursos financeiros, fundos e programas, será imperdoável se o governo falhar.
O plano de recuperação Next Generation Europe terá não apenas de assegurar a retoma, mas também preparar o futuro da União. Isto significa que terá de estar alinhado com os dois principais pilares da estratégia da Comissão Europeia – a transição digital e a transição verde, esta última com enfoque na indústria e sobretudo nas questões energéticas.
Estas transições só serão alcançáveis através da inovação, a qual terá de ser potenciada por um forte investimento em ciência e tecnologia. Para cumprirmos as metas de neutralidade carbónica, sem comprometer o nosso modo de vida e a competitividade da nossa indústria, não nos bastará dar escala às tecnologias já estabelecidas. Teremos de apostar em soluções novas, da captura de carbono ao hidrogénio, e de encontrar algumas que não foram ainda inventadas.
Da mesma forma, no que respeita à digitalização, não está apenas em causa a consolidação da economia digital. Precisamos das novas tecnologias para reinventarmos a forma como organizamos as nossas cidades, a nossa mobilidade, a nossa indústria e empresas. Precisamos destas para melhorar a nossa capacidade de antecipação e monitorização de crises de saúde pública como a que atualmente vivemos.
São estas as ideias fundamentais que venho defendendo nos quatro comités parlamentares aos quais estou ligada: ITRE, FEMM, IMCO e AIDA, nos quais temos trabalhado temas como a estratégia industrial para a Europa, A estratégia de dados, a Europa digital, o enquadramento ético e regulamentar da Inteligência artificial e a participação das mulheres na economia digital.
A posição do Parlamento Europeu sobre a reforma da Política Agrícola Comum (PAC) aprovada recentemente, foi negociada com a consciência de estar a apoiar os agricultores, no serviço que prestam, diariamente, aos consumidores.
Sabemos bem - como ficou claro no desenrolar desta pandemia - que sem eles, não seria possível garantir a soberania, a segurança e suficiência alimentar dos europeus, nem atingir os objetivos em matéria ambiental e climática.
Durante as negociações e muito particularmente na Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural a que pertenço, defendi sempre que não se descurasse o contributo do mundo rural para estes objetivos e para os apoios que, por isso, lhe são devidos. Sem ceder às ambições populistas. Até porque a vocação social democrata é além de reformista, gradualista.
Concretamente, para Portugal, no âmbito do primeiro pilar, defendi a importância da convergência interna e externa dos pagamentos, para equilibrar a atribuição de apoios entre países e entre explorações, mas também a importância de manter os pagamentos ligados. Já no âmbito do segundo pilar, contestei a oposição a investimentos no regadio, e promovi os apoios ao sistema agroflorestal e pecuária extensiva. Mas debati-me também pelos novos e pelos jovens agricultores, bem como pela manutenção do POSEI nas nossas Regiões Ultraperiféricas, como a Madeira e os Açores, que não podemos deixar para trás.
No papel, a nova arquitetura da PAC reequilibra a relação entre a UE, os Estados-Membros e os Agricultores. Através das suas estratégias nacionais, os Governos poderão adaptar as políticas à situação específica dos seus territórios, e responder melhor às necessidades locais, recaindo sobre a Comissão apenas o dever de as verificar e aprovar. Teremos mais Lisboa, menos Bruxelas. No terreno, o sucesso ou insucesso da nova PAC dependerá da qualidade, da ambição e da vontade política de assumir a agricultura como prioridade. Cada qual colherá aquilo que semeia!
O mesmo se passa na Política de Coesão, onde a boa execução dos Fundos Europeus passará pela aposta correta do Governo em Programas orientados para as verdadeiras necessidades do nosso país e das nossas Regiões - e muito especialmente das Regiões de Baixa Densidade.
Aqui está uma verdadeira oportunidade que Portugal não pode desperdiçar. É imperioso que o Governo esteja à altura de tamanho desafio.
No passado mês de julho, os 27 Estados-membros chegaram a acordo relativamente à concretização de um ambicioso fundo de 750 mil milhões de euros de apoio aos países mais afetados pela crise pandémica COVID19. Trata-se da possibilidade de emissão de dívida, em nome próprio, pela Comissão Europeia e cujos montantes serão alocados aos Estados em maior dificuldade.
No entanto, não se pode deixar de lamentar que a indústria do Turismo, a mais afetada pela pandemia e cuja recuperação se prevê muito lenta, não tenha sido contemplada com financiamento próprio e direto, sendo, por isso, difícil garantir que o ecossistema turístico seja alvo dos apoios de que realmente necessita, em especial as micro, pequenas e médias empresas.
A Portugal caberá um montante próximo dos 13,9 mil milhões de euros a fundo perdido, dependente da aprovação do Plano de Recuperação apresentado, em Bruxelas, no passado dia 16 de outubro. Preocupa-nos o facto de se tratar de um documento que centraliza os investimentos na própria máquina do Estado, pouco orientado para as empresas no geral, e para as empresas do turismo e viagens em particular. Um setor que representa 16,5% do PIB nacional e 10% do produto europeu, merecia muito mais!
Portugal terá de aproveitar esta oportunidade para reestruturar a sua política de transportes, tantas vezes adiada e apostar, por exemplo, na multimodalidade. Mais e melhores transportes públicos, não apenas nas grandes cidades, e uma ferrovia de transporte de passageiros e de mercadorias moderna e abrangente, em linha com o Pacto Ecológico Europeu. Este é o tempo de investir também na Economia Azul, em portos inovadores e sustentáveis, na modernização da frota pesqueira, na investigação e no alargamento das áreas marinhas protegidas, sem cair na tentação de abandonar o turismo costeiro e marítimo.