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  • 15 de Novembro, 2010

"O Líbano não pode voltar para trás" - Mário David, MPE

Muitas vezes ignorado pela sua pequena dimensão geográfica e demográfica, o Líbano é paradigma de muitos desafios que fazem temer pelo futuro da Humanidade. Antiga colónia francesa, independente desde 1943, era na década de sessenta a grande praça financeira do mediterrâneo oriental, e Beirute gozava da reputação de ser a Paris do Oriente.

Mas o Líbano era, essencialmente, o exemplo de harmonia e sã convivência pacífica entre cristãos e muçulmanos e, dentro destes, entre sunitas e xiitas.

Infelizmente, nos últimos anos tudo mudou. Se na sequência dos Acordos de Taif, o país é administrado por um governo de unidade nacional, a verdade é que o Líbano é hoje o exemplo de um país onde não há Estado! Onde cada líder político tem a sua milícia armada, em que as Forças Armadas têm uma capacidade de intervenção muito inferior à milícia xiita do Hezbollah (Partido de Deus), e em que o Parlamento se reuniu duas vezes em plenário no último ano e meio! A ausência do Estado faz-se sentir em particular junto da historicamente empobrecida comunidade xiita, permitindo ao Hezbollah, altamente financiado por Teerão, ocupar esse vazio e providenciar cuidados de saúde, educação e mesmo apoios sociais e financeiros às suas comunidades em troca de um apoio incondicional à sua forma estrita de interpretação do Corão.

O Ocidente não se consciencializou ainda da importância simbólica e prática que o fim do equilíbrio no Líbano pode representar. A constatação de que a convivência inter e intra-religiosa se tem vindo a degradar no Médio Oriente terá consequências gravíssimas tanto para o processo de paz israelo-árabe como nas relações entre sunitas e xiitas em toda a região.

Regressando de uma semana no Líbano, onde me encontrei com os líderes das várias facções, tenho a sensação de que sobre o país paira de novo o trágico espectro da guerra civil (com 15.000 militares europeus estacionados no sul - Unifil).

Na base da actual crise estão os intensos rumores sobre as iminentes acusações do Tribunal Especial para o Líbano, uma jurisdição independente e imparcial criada na sequência da Resolução 1757 da ONU para averiguar o assassinato do então Primeiro-Ministro Rafik Hariri.

O país, ou melhor a classe política libanesa, vivem um misto de hiper-excitação e angústia, com rumores sobre a data em que (eventualmente) serão proferidas acusações, e se os potenciais acusados são corolário da pista síria, do Hezbollah ou qualquer outra. Rumores, falsos testemunhos, boatos e pseudo-inconfidências, quantas vezes totalmente contraditórias e que se desmentem poucas horas depois, têm intoxicado e envenenado a opinião pública. Mas no terreno parece terem logrado o objectivo de descredibilizar o Tribunal.

Como, impressionantemente, me disse o Chefe do Governo Saad Hariri, mesmo tratando-se de julgar os assassinos de seu pai, o Líbano não procura vingança, mas sim decretar o fim da impunidade dos assassínios políticos! Impunidade que, até aqui, tem sido sempre a regra. É tempo de dizer basta, e os libaneses merecem e precisam de saber a verdade!

É obviamente importante a unidade e estabilidade do Líbano, mas nenhum crime pode ficar impune! Nem os libaneses nem a comunidade internacional podem ceder à chantagem ou intimidação. E a União Europeia, tão ausente, tem que se empenhar por mostrar que o modelo de convivência é possível. Muito mais do que no interesse apenas dos próprios, o Líbano não pode ser abandonado!

Mário David

Presidente da Delegação do Parlamento Europeu para o Maxereque